terça-feira, 24 de março de 2015

Oliviero Toscani: A publicidade além da publicidade.

Nascido em 1942 em Milão, o fotografo e publicitário Oliviero Toscani trabalhou em importantes revistas como Elle, Vogue for Man, GQ e Mademoiselle, mas foi na década de 80 quando começou a desenvolver peças para a empresa de moda Benetton, que seu nome tornou-se mundialmente conhecido.
Os primeiros trabalhos de Toscani para a Benetton adotavam o conceito “Todas as cores do mundo”, aplicado ao slogan “United Colors of Benetton”, onde faziam o paralelo de variedade em cores de vestuários que a marca produzia com a luta pela igualdade racial. Tema que na época era um tabu maior que hoje devido o regime do apartheid na África do Sul. Observem algumas peças:
Na imagem vemos uma mulher negra amamentando uma criança branca, que pode ser interpretado como uma analogia aos tempos de escravidão, onde escravas serviam de amas de leite. A postura das personagens remete segurança materna e aconchego, representando a harmonia entre pessoas de etnias diferentes. Outro índice simbólico que podemos usar como reforço a não distinção racial é o enquadramento da foto, que não revela o rosto da mulher, visto que para uma criança características físicas são irrelevantes durante um momento afetivo de relação primária. 
Nesta segunda imagem temos a representação de duas crianças, uma negra e outra caucasiana, sentadas em penicos frente uma a outra. A criança negra toca os lábios da outra criança com o dedo indicador fazendo o mesmo gesto nos seus próprios lábios, mostrando a curiosidade e a comparação perante as diferenças. Semioticamente falando, o dedo indicador representa o dedo da vida, o qual o ser humano usa desde criança para explorar, descobrir o mundo. As duas personagens estão nuas, e a nudez representa a pureza. Para definir o símbolo das crianças cito o poeta francês Alain Gheerbrant “crianças representam inocência, estado anterior ao pecado, simplicidade e espontaneidade sem intenção de dissimular”, no ponto de vista publicitário, elas são mais usadas que adultos para chamar atenção numa publicidade. No gesto de estarem sentadas podemos interpretar de duas formas. O “Assento” pode representar superioridade ( uma raça sobre a outra) ou simpatia entre duas pessoas. As pernas que se cruzam representam um vínculo social, e por ultimo as cores dos penicos fazem referência a guerra fria que dividia o mundo economicamente; o azul representando países capitalista e o vermelho os países socialistas.
Já esta imagem mostra três corações, com as legendas “ Branco, Preto e Amarelo”, que representam igualdade em um único simbolo. O Coração definido não apenas como centro das emoções humanas, mas como centro do próprio ser humano.
Na década de 90, já conhecido por seu modo único e polêmico de divulgação, Toscani traz novos assuntos para as peças da Benetton. Sua inspiração para  criar uma campanha com 11 fotos de “Choque de realidade”, tratando de assuntos como a AIDS, religião, pena de morte e homossexualidade, nasce após outro publicitário da empresa, Therese Frare,  mostrar em uma propaganda da marca a cena de David Kirby , portador do vírus HIV, deitado em um leito domestico em seus últimos momento com vida, através da autorização do próprio David, que era ativista e gostou da iniciativa da Benetton ao querer torna-lo um simbolo de luta contra AIDS.
Neste momento a marca investiu em ações comunitárias como complemento a publicidade, distribuindo livretos sobre sexo e camisinhas na Itália, Estados Unidos e Brasil. As campanhas sobre o vírus HIV tiveram uma repercussão tão grande que no ano seguinte a primeira campanha, no dia do combate a AIDS, a Benetton cobriu o Obelisco da Place de la Concorde  na França com um enorme preservativo.
Era de se esperar que em meio a tanta polêmica em algum momento Toscani teria problemas com a justiça. O de maior repercussão foi de acusações da UNICEF, no cartaz "Monumento a um soldado conhecido". A peça, apoiada pela cruz vermelha e pela família do jovem, retrata as roupas ensanguentadas do soldado Marinko Grago, morto na guerra sangrenta da ex-Iugoslávia, conflito movido pela intolerância religiosa e nacionalista. O modo que as roupas estão distribuídas representam a posição do corpo no momento da morte. Foi lançada em 110 países, mas recusada pela Los Angeles Time.
A UNICEF, apoiada por instituições alemãs de defesa dos direitos humanos, contestava a veracidade da fotografia, que depois foi provada ser falsificada pelo semanário alemão Die Woche, em reportagem de Klaus Lange, publicada no mesmo ano. Olivieiro se defendeu dizendo que a imagem retratava uma realidade, e acrescentou que todas as suas campanhas mostram o que os jovens têm curiosidade em saber. Em suas palavras: “Por quê? Porque eu contava coisas que interessavam. Aos jovens interessava saber o que era a AIDS”.
Em 2000, Toscani sai da Benetton, por decisão da empresa que preferiu voltar ao conceito de “todas as cores do mundo”, dessa vez criando peças mais leves, com harmonia entre as cores das roupas da marca e os modelos de várias etnias.
Já em 2011, Oliviero volta para empresa para uma campanha ousada: “UNHATE”. Criada para promover o combate ao ódio. Nela são representados líderes políticos e religiosos com ideais opostos se beijando através de fotomontagem. As peças foram criadas para veiculação na internet, acompanhadas de marketing de guerrilha com cartazes e projeções na rua.
A campanha também conta com um vídeo, onde mostram pessoas diferentes brigando e se beijando, e também um site, The Kiss Wall, onde qualquer pessoa pode postar uma foto fazendo a ação do beijo e combinar com a foto de outra pessoa fazendo a mesma ação. Site ainda ativo.
Mas Afinal, os trabalhos de Oliviero Toscani são peças publicitárias ou ações sociais?
O modo de criar de Toscani se diferencia de outras publicidades pois foge do convencional em apresentar um produto através da transmissão de felicidade e pessoas bonitas com seus lindos sorrisos brancos. A intenção é distanciar o leitor da publicidade comum e faze-lo refletir sobre a preocupação da marca sobre vários assuntos e assim moldar uma visão de que a empresa tem preocupações com a sociedade. A função da publicidade é chamar a atenção e despertar sentimentos; compaixão, curiosidade, repulsa e espanto são os sentimentos que o fotografo resolveu trabalhar e acertou nisso, pois a mídia espontânea que era gerada chegava a lugares que a Benetton não conseguiria alcançar. Foi um belo golpe de marketing escolher alguns veículos para vincular as peças e esperar que os outros veículos comentassem sobre o assunto. Também foi um modo de economizar dinheiro, pagava-se para uma revista ou uma rede de televisão e sua peça era vista em todas as mídias.
Em resumo, suas criações são peças publicitárias que transmitem a preocupação da marca em temas sociais. E mesmo que Oliviero diga que ele não é um publicitário, ele ainda é um dos mais geniais. Termino com duas de suas frases.
“Não fiz publicidade, só especulei em cima da publicidade. Fiz o contrário. Nenhum jornalista tem a possibilidade de ter a própria imagem ou o próprio artigo em todos os jornais do mundo, no mesmo dia. Entendi que essa possibilidade enorme existia e fiz isso, fazendo coisas interessantes. Você tem a imprensa inteira interessada no que você tem a dizer. Entendi como usar a imprensa, como especular”
“Fazem pesquisa de mercado para descobrir que camundongo gosta de queijo. As agências de publicidade são uma grande farsa. Tudo o que eu faço é novo. Não faço um trabalho baseado na experiência, não é interessante. A criatividade nasce de ações inseguras. Na insegurança máxima, você consegue atingir o máximo de criatividade. Se ficar na esfera do seguro, fará mediocridades”  

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